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O espaço das pequenas coisas

O espaço das pequenas coisas

30
Set20

Kit de Sobrevivência II - George Addair

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Sim, 2020 revelou-se um ano mais difícil do que muitos de nós esperava. Um milhão de pessoas perdeu a vida por causa de um vírus, um inimigo invisível. Milhões de pessoas ficaram sem emprego ou têm um trabalho tão precário que é mesmo só isso - trabalho. E nem vamos falar nos conflitos familiares, na violência doméstica, no abandono de animais, na desflorestação, na tensão política.

O meu desejo para 2020, aquele das doze badaladas, foi que a vida me trouxesse uma mudança profunda, que tudo o que conheço fosse abalado, que todos os meus valores fossem desafiados e que eu tivesse a coragem de enfrentar o meu maior medo: falhar.

Mas então, veio a pandemia e depois o confinamento, as distâncias sociais, a solidão, o desespero. Vi-me forçada a olhar para mim própria, para o mais fundo de mim, reconhecer-me como já não fazia desde os tempos da adolescência em que passava horas a ler e a pensar sobre o mundo. De repente, assim sozinha, vi-me obrigada a olhar bem para mim, ver o que gosto mais e o que não gosto tanto, a reconhecer que talvez tenha falhado aqui ou ali no meu caminho, porventura poderia ter ligado àquela amiga mais vezes, devia ter aparecido mais nos jantares de aniversário e sobretudo não devia ser tão exigente nem comigo nem com os outros. A vida é para ser vivida do lado do prazer, escreveu Freud (que também poderia ter sido o kit de sobrevivência de hoje). Mas sabem o que aprendi? Talvez falhar não seja assim tão perigoso, talvez seja mesmo necessário. Pois aqui me encontro a escrever, a enfrentar o meu maior MAIOR medo: falhar quando toda a gente está ver.

Por isso, alguns textos sairão melhor, outros nem tanto…alguns as pessoas gostarão mais do que outros, a vida é mesmo assim. Não me arrependo nem por um segundo, porque agora eu sei que do outro lado do meu medo está um mundo inteiro de possibilidades.

27
Set20

Admirável Mundo Novo: estamos todos Covid(ados)

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Às vezes estou muito entretida na minha vida, a vida corre no seu ritmo normal (?), mas, outras vezes, tenho momentos em que, por nenhuma razão em particular, parece que tudo pára e o mundo parece ridículo. Sem nenhum aviso, o mundo abranda, tudo se move em câmara lenta, as pessoas abrandam o passo, se alguém vai dar uma dentada na sua sanduíche do almoço parece que fica a meio, se alguém protesta com alguma coisa parece que está só a levantar os braços como num exercício de ginástica, se alguém vai a falar ao telefone parece um E.T. com um objeto estranho. O pior é mesmo a máscara, não saio de casa sem ela, todos sabemos que são essenciais, mas cada vez que coloco a máscara uma sensação de impotência e de claustrofobia apodera-se de mim. Não consigo evitar.

 

Na semana passada visitei as gravuras do Côa. Já lá tinha estado quando o meu irmão e eu éramos pequenos, uma visita inesquecível (ver a crónica "O Futuro é agora").

Há várias teorias sobre as gravuras, talvez os nossos antepassados quisessem marcar o seu terreno, ou então as gravuras funcionassem como Totens de cada tribo ou então fossem formas de comunicação entre diferentes tribos do género “aqui há peixes, cuidado com estes animais, ali há uma passagem no rio”. Talvez todas as teorias sejam verdadeiras ou nenhuma seja verdadeira. Seja como for, sinto-me um pouco como estes nossos antepassados a descobrir um admirável mundo novo.

23
Set20

Kit de sobrevivência I - Einstein

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Sempre que íamos em viagens, fosse a casa dos meus Avós ou rumo a Sul (ver crónica "Meu querido mês de Agosto"), o Pai tinha sempre o que chamava de "kit de sobrevivência". Na altura, o Pai trabalhava com parceiros que lhe ofereciam diversas coisas desde canetas, canecas, pastas, mas às vezes jantares (que o Pai nunca aceitava) ou viagens. Enfim, numa dessas ofertas vinham "barritas" de cereais (uma verdadeira novidade nos anos 90), um gel desinfectante, lenços de papel e uma tesoura (não sei porquê). 

Acho que estes parceiros não sabiam o que começaram: um verdadeiro movimento revolucionário na nossa família cada vez que entramos no carro. A partir dali, o Pai criou o seu próprio "kit de sobrevivência":

- água (agora em garrafas de vidro)

- 2 barritas de cereais

- 1 pacote de halls de laranja

- 2 pacotes de lenços

- gel desinfectante

- creme de mãos

Assim começamos esta nova série de frases inspiradoras, todas as quartas às 9h, uma espécie de bóia de salvamento a meio da semana, um verdadeiro "Kit de Sobrevivência".

Esta é a primeira e minha favorita.

20
Set20

O regresso às aulas

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Desde o anunciado "estado de contingência", as ruas estão praticamente desertas. Nos nossos passeios, era frequente cruzarmo-nos com um vizinho ou algum conhecido e cumprimentar (com a devida distância e máscara carnavalesca), mas ultimamente não se vê viv'alma. Apenas os adolescentes continuam os seus treinos de basquetebol (ver crónica "Sunny Delight"). 

Quando era pequena, por esta altura, começavam a cair as primeiras folhas douradas, assim sabia que o Outono estava para chegar. O primeiro dia de aulas era sempre motivo de grande ansiedade, por isso no fim das aulas víamos logo o material estava bom e que material iríamos precisar no ano seguinte. 

Nos primeiros anos deslocavamo-nos com antecedência à papelaria (mais tarde ao supermercado) para comprar algum material em falta. Não me recordo de haver tanto consumismo, mas talvez seja a minha mente a pregar-me partidas...lembro-me vagamente de um ano em que a Professora pediu papel-crepe e corremos várias papelarias sem sucesso, foi a maior aventura do inicío de um ano letivo.

Reunido o material, a Mãe sentava-se na mesa grande da sala e encadernava os livros um a um e, invariavelmente, ficavam com bolhas. Nunca levámos o material etiquetado porque, naquele tempo, o material era para partilhar. De uma forma geral, quem tem irmãos está habituado a partilhar, mas aquelas canetas de gel, uma a cada ano, custava-me muito partilhar. 

Na primeira página de cada caderno escrevia o meu nome completo e o meu número de aluna, caso já soubesse. Às vezes decorava os cadernos por dentro com desenhos gregos ou fazia separadores para as disciplinas. Se usava capa, procurava criar um índice de acordo com o meu horário e os dias da semana. Sempre fui muito organizada e sempre adorei listas para tudo, talvez saia à Mãe. 

Quando todo o material estava pronto, telefonava às minhas amigas (só tivemos telemóveis mais tarde), para combinar o que cada uma ia vestir no primeiro dia de aulas, mas sobretudo para saber a que horas nos íamos encontrar na escola. A Mãe sorria, mas não dizia nada acerca do meu medo de entrar sozinha, talvez também as mães tenham sentido medo na sua altura e tenham precisado das suas amigas.

Chegada a manhã do primeiro dia de aulas, "as formigas ninja" atacavam a cama do mano para ele se levantar, eu verificava pela enésima vez todo o material, tomavamos um bom pequeno-almoço (não porque quiséssemos, mas porque a Mãe nos encorajava) e a Mãe lá nos deixava na escola.

Esta semana as crianças e adolescentes começaram ou começam as aulas e não posso deixar de pensar que, para eles, o desafio é muito maior. Sem ver os sorrisos dos seus amigos, dependem apenas do olhar encorajador uns dos outros para enfrentar este novo dia. Força!

 

 

 

 

13
Set20

Educação para a Cidadania: ninguém nasce ensinado

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Nunca contei a minha história de cidadania activa, quando ainda se escrevia com as letras todas.

 

Aos 7 anos, eu e a minha melhor amiga adorávamos a Natureza (talvez até um pouco mais do que as pessoas). Passávamos o tempo a admirar os castanheiros e os pinheiros da escola, a ver as formigas e as suas colónias, a estudar os padrões de migrações dos pássaros. Por isso, não foi nenhuma surpresa quando fundámos o clube “Os Verdes da Terra”, uma associação destinada à proteção da Natureza. As tarefas práticas: apanhar o lixo e proteger animais feridos. Como o leitor poderá imaginar, recrutar novos membros revelou-se tarefa difícil, mesmo com os crachás (sim, os mesmos que mais tarde entrariam nas minhas brincadeiras da agente secreta JD).

 

No ano seguinte voltámos ao ataque. Decidimos criar o “Clube do Teatro” e a nossa primeira peça seria “O Príncipe do Egipto”, com p. Não me recordo exatamente de onde provinha esta nossa paixão pela história de Moisés, mas lembro-me que nem hesitámos quando chegou a altura de escolher a peça a encenar. De imediato, o nosso texto foi censurado, a produção banida e a associação encerrada. Em retrospectiva, esta reacção extrema da escola terá sido, porventura, a mais sensata, para não ferir susceptibilidades, mas na altura sofremos muito. Não obstante, ensinou-nos duas importantes lições de cidadania: persistência e tolerância.

 

No quarto ano, decidimos ser independentes. Criámos a nossa “empresa de produções” e escrevemos um “argumento original”. Demorou um ano. Eu seria a Miriam e a minha melhor amiga seria a Sefrina. Miriam e Sefrina. Nunca chegámos a gravar este filme mas eventualmente a Sefrina seguiu o seu caminho na escrita e a Miriam continua a escrever aqui.

 

Aos 19 anos aderi a uma associação para a promoção da cidadania ativa e por lá fiquei durante cinco anos. Durante o meu percurso participei e organizei alguns eventos sobre imigração, línguas, cultura, desenvolvimento pessoal e até dança. Fui para fora e fiz muitos amigos, alguns para a vida toda.

 

Todas estas experiências e outras que aqui não cabem foram possíveis porque cresci numa família onde as pessoas já eram cidadãs ativas, mas também porque desde muito cedo aprendi sobre reciclagem, a União Europeia, o sistema eleitoral na escola.

 

Educação para a Cidadania, mais do que “o que é”, podemos pensar naquilo que pode ser: um espaço de enorme potencial para aprender a pensar sobre a Natureza, Filosofia, Política, Sociologia, Economia. Na prática aprender: reciclar, gerir a mesada, poupar, higiene e segurança, participar ativamente na sociedade.
Ninguém nasce ensinado, é sempre bom aprender!

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