Have it all
Nos anos 90, lembro-me distintamente, havia uma nostalgia do tempo do "tudo à grande e à francesa". Como o leitor poderá saber, a expressão deriva do tempo do Rei Francês Luís XIV, chamado "Rei Sol", pelo seu desejo de ordem, mas mais tarde pela sua adoração a tudo o que reluzia.
Como dizia, nos anos 90, a Economia mundial prosperava. Com o fim da Guerra Fria e a queda do muro de Berlim, o progresso parecia imparável e a palavra de ordem era "crescer". O capitalismo venceu o comunismo e espalhava-se a um ritmo exponencial. "Não tem dinheiro? Nós emprestamos!", "Ainda não tem o novo carro? Nós emprestamos!", "Como assim não tem piscina? Nós emprestamos!". Era o tempo do consumo pelo consumo, talvez pela privação do consumo de bens dos anos anteriores. A verdade é que ligavam para casa das pessoas incessantemente a incentivar o consumo. Naquele tempo, parecia ser possível ter tudo.
Mesmo com as crises políticas, o capitalismo foi crescendo cada vez mais e foi nesse tempo que cresci também. Colégios privados, walkmans, discmans, consolas, computadores, bicicletas, tudo parecia possível desde que se trabalhasse muito, desde que se tivesse boas notas e entrasse para as escolas certas.
Nos início dos anos 2000, houve uma pequena recessão em Portugal que coincidiu com uma crise política, mas nem isso travava o consumo desenfreado, as infinitas possibilidades. Se estudar na escola certa, uma boa vida estará à sua espera. Escolha o curso certo, tenha os amigos certos, comporte-se da maneira certa (nunca cotovelos em cima da mesa) e o céu é o limite.
Até que, em 2008 uma crise surge uma pedra no caminho do capitalismo. Alguns bancos caíram, outros foram salvos com negócios duvidosos, muitas empresas faliram e milhões de pessoas ficaram na miséria. Seria de esperar que este momento alterasse a nossa mente comunitária, mas ao fim de alguns anos, o consumismo voltou. "O que faz em casa? Conheça o mundo, nós emprestamos!", "Quer ir à praia? Vá às Seychelles, nós emprestamos". Nem com a pandemia, quando o mundo parou em 2020, o consumismo parou.
O aspeto talvez mais problemático deste imaginário comum é a possibilidade de ter tudo. Não é possível, ninguém pode ter tudo, senão o que resta para o outro?
É necessário mudar. A mudança é sempre assustadora, implica muito esforço, energia, persistência. Não é só a ameaça ao nosso planeta, é a ameaça à nossa sobrevivência enquanto espécie. Não é uma coincidência que nos países nórdicos, onde a sociedade é tendencialmente mais evoluída, a taxa de suicídio é das mais elevadas.
Pela nossa condição de seres gregários, a felicidade individual depende inerentemente da felicidade comunitária. A grande falácia dos anos 90 e que persiste até hoje, é achar que os bens materiais podem preencher o vazio de uma sociedade desigual.