Amor
Quando pensamos em São Valentim, pensamos no amor das comédias românticas de Hollywood ou nos trágicos romances da literatura francesa do século XVIII. Porém, o amor surge nos momentos mais inesperados e frequentemente nem é um amor romântico.
Há umas semanas submeti-me a uma cirurgia programada ao ombro. Antes de entrar no hospital, tinha muito medo do que iria encontrar: uma dor aguda quase insuportável, desconforto, velhotas tagarelas que queriam ver a novela, profissionais de saúde em burnout.
Aqui, n’O espaço das pequenas coisas, também há espaço para me retratar, pois o que recebi durante os dias em que estive internada foi uma lição de humildade, respeito e amor.
No primeiro dia, fiquei num quarto amplo, renovado, com uma cama confortável para o meu ombro, um armário só para mim. Comigo esteve sempre uma senhora que bem podia ser sósia da minha Avó. Por isso, pelo menos durante esses dias, pude reencontrar-me com a minha Avó, relembrar os seus gestos, o quanto gostava de doces, a sua amabilidade sublime.
No dia da cirurgia, a médica anestesista ficou comigo à entrada do bloco operatório, explicando-me o processo, distraindo-me do que se passava, contando-me que tinha uma “máquina de ler sonhos”, adormecendo-me gentilmente. Como disse a minha querida sogra, embarquei numa viagem: “primeiro o Alentejo, depois o Algarve e quando deres conta já estás na caminha”.
E assim foi. Nunca tive dores agudas, os médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, senhoras da limpeza, todos falavam com calma e amor, como se estivéssemos numa bolha sem covid.
Naquela nossa bolha, o Enfermeiro perguntou-me sobre o meu blog enquanto administrava a minha medicação, a Enfermeira comentava o meu cabelo enquanto verificava as minhas tensões, o Enfermeiro acenava-me durante a noite para que não me assustasse com as rondas.
Na nossa bolha, os doentes tornaram-se amigos, as doenças apenas parte de uma história maior e com o apoio uns dos outros fomos saindo da unidade: “Saio amanhã!”, “Eu só na Quinta!”, “Bem melhor do que eu, que só vou na Sexta!”.
Comentávamos as dietas uns dos outros, uma vez Patrícia disse-me: “não sou uma Santa mas também não sei que mal fizeste para comer isso!”, referindo-se à minha dieta vegetariana. Rimo-nos pois os meus nuggets tinham melhor aspeto do que a sua farinha de pau.
Todas as manhãs dizíamos “bom dia” com o máximo de alegria para animar toda a gente e todas as noites desejávamos “bons sonhos” depois do chá.
Havia casos de tudo, recuperações de sequelas de covid, problemas gastrointestinais, dificuldades respiratórias, infeções no ouvido. Alguns estavam cansados das suas longas batalhas, outros ainda tinham força para a longa recuperação. Em todo o caso, unimo-nos o mais que as normas covid permitiram para que ninguém sentisse que estava só.
Faltam-me palavras para expressar a minha gratidão a todos os profissionais de saúde daquela unidade hospitalar que foram incansáveis no seu cuidado e delicadeza ao tratar de mim. Pude ver de perto a dedicação e cuidado que dedicam a todos os pacientes e uns aos outros, porque afinal são uma equipa.
Neste ano, o São Valentim tem, para mim, outro significado. Significa o amor maior, o amor que cuida, que não julga, que apoia, que não desiste, que está sempre lá. O amor que só existe na vida real.