Kit de Sobrevivência VIII - Kamala Harris
Kamala Harris, no seu discurso de vitória da Vice-Presidência dos EUA, falou sobre a importância do papel da mulher nas eleições. Desde o movimento das Sufragettes, até ao Maio de 68, aos movimentos cívicos nos EUA, as mulheres sempre tiveram um papel central na democracia, ofuscado, frequentemente, pela imponência das normas e costumes da época.
Tudo foi pensado com o maior rigor. Desde logo, a música com que entra no palco, “Work that” de Mary J. Blige, um hino ao amor-próprio, à auto-confiança, à esperança e à ambição. Depois, o fato branco que representa o feminismo e a igualdade de oportunidades, e que já havia sido usado pelas congressistas democratas durante o discurso do Estado de União de Trump em 2019, o que desconcertou absolutamente o então Presidente.
O entusiasmo que Kamala provoca é audível, o seu sorriso contagiante, o seu olhar bondoso e atento fazem-nos sentir que tudo é possível, até unir um país profundamente divido.
Começa o seu discurso, naturalmente, com as palavras de John Lewis “a democracia não é um estado, é um acto”. Estas palavras, tão simples e tão complexas, relembram-nos de um dos debates mais acesos que tenho com família e amigos e que podem ser lidos ao longo das minhas crónicas. A democracia não é garantida, é preciso lutar por ela todos os dias, mantendo-nos informados, votando em consciência, refletindo, conversando com aqueles que nos são próximos e, sobretudo, motivando os outros para a cidadania ativa.
Kamala Harris dedicou a sua vida à cidadania ativa. Filha de pai jamaicano e mãe indiana, após o divórcio dos pais, a nova Vice-Presidente cresceu com a Mãe, o Avô e a irmã no estado da Califórnia. Escolheu estudar ciência política e economia na Universidade de Howard, uma universidade historicamente predominantemente afro-americana e aderiu à sorority “Alpha Kappa Alpha” (AKA), uma organização que lutava pelos direitos cívicos. Em 1989 a ex-Senadora formou-se em Direito na Universidade da Califórnia, entrando para o equivalente à Ordem dos Advogados em 1990.
Na sua carreira como Procuradora de São Francisco destaca-se o caso do agente Isaac Espinoza, morto a tiro por David Hill, um afro-americano de 21 anos. A “sociedade” pedia pena de morte, mas Kamala Harris, como havia prometido na sua campanha segue outro caminho. Aliás, a então Procuradora, afirmava que existe um enorme enviesamento judicial e que o sistema judicial deve reabilitar e não condenar.
Assim, um ano mais tarde, nasce “Back on Track” (BOT): um programa destinado à reabilitação social de jovens condenados pela primeira vez por um crime relacionado a posse, consumo ou venda de drogas. Ao abrigo do programa, os jovens eram condenados mas cumpriam a sua pena com vista à sua reintegração na sociedade.
Alguns anos mais tarde, Kamala Harris, tornar-se-ia Procuradora do Estado da Califórnia, cargo no qual foi rigorosa, mas justa. Esteve envolvida em muitos casos criminais, da reforma penal e crise habitacional, às grandes empresas de gás, petróleo e banca.
Em 2016, com a reforma da Senadora Barbara Boxer, abre-se o caminho para “sangue novo” e Kamala Harris, ganha o seu lugar no Senado por uma larga margem. Como Senadora, foi defensora da despenalização do aborto, de uma política de imigração inclusiva e, fundamentalmente, do Green New Deal: um pacote de medidas de criação de emprego sustentável para o ambiente e um plano de saúde e educação gratuito para toda a população, assente na taxação das indústrias do armamento, farmacêutica, tecnológica.
Em 2020 decide candidatar-se a Presidente dos EUA. Vista como demasiado progressista por uns, demasiado liberal por outros, acaba por desistir da corrida presidencial e, em Agosto de 2020, é anunciada como candidata a Vice-Presidente.
Numa conversa com Barack Obama, Kamala Harris, revela o seu segredo para começar bem o dia: treinar. Conta que todos os dias treina, que é a sua forma de aliviar a tensão e que mantém uma dieta maioritariamente sul-indiana (vegetariana). Mas talvez o aspeto mais enternecedor desta mulher de 55 anos seja a sua relação com Douglas Emhoff. Em 2014, aos 49 anos, depois de se conhecerem num blind date, e de um breve namoro e noivado, decidem casar numa cerimónia presidida pela irmã de Harris. Emhoff, um advogado da indústria do entretenimento bem-sucedido, com dois filhos já crescidos de uma relação anterior, parece ser o pilar de Kamala Harris.
Kamala Harris será a primeira a entrar para a Vice-Presidência, mas deixará a porta aberta para todas as mulheres que tenham a coragem acreditar em si mesmas.