Kit de Sobrevivência XXI - Walt Whitman
Ultimamente tenho-me debatido com o que escrever, caro leitor. Se escrevo para mim, parece egoísta e narcisista; se escrevo para si, quem quer que o leitor seja, estou a adivinhar as suas expectativas, crenças e valores e, portanto, a comprometer os meus.
Talvez por ter sido operada, por me ter sido retirada uma parte de mim e oferecida uma parte da ciência, ultimamente tenho dificuldade em encontrar consistência na minha escrita, em encontrar a minha personalidade, como se este troca de partes alterasse o equilíbrio que conhecia.
Quando tenho estes períodos não há nada a fazer, a não ser ficar em silêncio. Resguardar-me do mundo, procurar além do silêncio na imensa escuridão e incerteza. Meditar e ouvir o meu coração.
Esta semana dei por mim a pensar na solidão que muitas pessoas estão a viver nesta altura. Não é preciso passar 40 dias e 40 noites num deserto para se sentirem particularmente sós, porque muitas pessoas viram as suas vidas despidas de trabalho, família e, muitas vezes, alegria. Por isso a Quaresma, por si só, um período de sacrifício, tornou-se quase um mês como os outros - um mês de abstinência, de ausência.
Talvez por esse motivo este decidi dedicar este período à presença consciente, à entreajuda, à minha comunidade. Não é muito, eu sei, pode parecer até superficial à partida. Mas servir sempre foi a maneira que encontrei para me encontrar a mim mesma. No confronto e conforto do outro, encontro-me a mim mesma. E, quem sabe, as minhas crónicas ganhem coerência novamente.