O meu amigo
Há umas semanas perdi um amigo. Não era um amigo de longa data, mas era, como diz a minha Tia Zizi, um “amigo de casa”. Há os amigos com quem saímos na escola e na faculdade, há amigos circunstanciais do trabalho, há amigos de amigos, há melhores amigos e depois há os “amigos de casa”. Um amigo de casa é uma pessoa com quem crescemos que não só nos conhece, mas conhece a nossa família, os nossos amigos, os nossos parceiros. É um amigo com quem passamos tanto tempo que é impossível recordar todas as histórias.
O meu amigo de casa era o melhor amigo do meu Príncipe. Quando somos mais novos temos o nosso grupo de amigos ou alguns melhores amigos, em quem confiamos e que confiam em nós os maiores segredos, as experiências mais mundanas e incríveis, os amores e desamores, a vida a acontecer.
Mas quando crescemos e gostamos muito de alguém, aprendemos a amar os seus amigos como se de nossos amigos de casa se tratassem. Os seus problemas e alegrias passam a fazer parte da nossa vida, como fazem parte da vida do nosso Amado. Sentimo-nos gratos e felizes por serem tão bons amigos do nosso Príncipe, por o amarem quase tanto como nós, por cuidarem do nosso Amor, por partilharem as memórias e novas histórias, por nos darem a conhecer uma outra versão do nosso Querido. Se tivermos sorte, partilhamos uma responsabilidade pelo bem-estar do nosso Amado e imaginamos um futuro em conjunto, imaginamo-nos a partilhar a vida entre amigos, apadrinhar os casamentos, os filhos, férias e viagens, concertos, exposições e espetáculos, conversas que se prolongam noite adentro, filhos amigos, partilhar a vida a acontecer.
Quando há uma interrupção abrupta dessa amizade, construída ao longo de anos, uma amizade por extensão da qual também nos apropriamos, a vida pára de acontecer, ainda que por umas horas, uns dias, umas semanas. Nem todos compreendem esta suspensão do tempo, este mergulho numa profunda tristeza, num mar de histórias e memórias, de desamparo, e um ímpeto de proteção e clausura
O meu amigo era bom, tinha uns olhos vivos e um sorriso malandreco. Era alto e magro, muito destemido no seu sentido de humor, um performer nato, tanto na comédia como na música. O meu amigo era generoso, nas palavras e nos actos, nunca nos visitava sem uma palavra amiga e um “bolo da melhor confeitaria da cidade”. Era grandioso nos gestos, cauteloso nos sentimentos, protetor dos pensamentos. O meu amigo era o melhor amigo do meu Príncipe, partilharam toda a adolescência, a juventude e um pouco da idade adulta. Mas o meu amigo também era meu amigo e por isso sinto muito a sua falta.
OUVIR COM CALMA
A propósito do covid e suas consequências, o médico intensivista Gustavo Carona dá uma entrevista a Inês Meneses no seu podcast Fala com Ela. O médico portuense já deu a volta pelo mundo em missões humanitárias, escreveu dois livros e continua a tornar o mundo melhor.