Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O espaço das pequenas coisas

O espaço das pequenas coisas

06
Jun21

Um dia (quase) normal

 

Um dia quase nornal.JPG

Neste fim-de-semana, pela primeira vez em 15 meses tivemos um dia (quase) normal. Tirando as máscaras de Carnaval, por umas horas tudo pareceu normal outra vez.

 

Acordámos cedo, como sempre, tomámos o mesmo pequeno-almoço de sempre: pão de abóbora e noz com mel e queijo para mim, bolachinha maria com manteiga de amendoim para o Príncipe e dois grandes Cappuccinos. Conversámos sobre o Sol e os passarinhos lá fora e sobre uma série que estamos a ver. Depois, Ele sugeriu um brunch no nosso sítio favorito.

 

Como era de manhã cedo, decidimos calçar as sapatilhas de corrida e ir a pé. São uns 5km para cada lado, cheios de curvas, sobe e desce, mas uma vista incrível. Pus um vestido de Verão, o Príncipe vestiu a sua t-shirt favorita e lá fomos.

 

Parámos várias vezes para admirar a beleza dos sítios por onde passámos, sentimos o Sol na nossa face e, por momentos, tudo parecia normal outra vez. Contei as mesmas histórias, “a minha Mãe andou aqui na Escola Primária”, “aqui era onde o meu Avô dizia «cautela que vem aí um carro!»”.

 

Chegámos ao nosso restaurante preferido, onde nos perguntaram onde preferíamos sentar. Respondemos ao mesmo tempo: “cá fora!”. Sentámos, tomámos um sumo de laranja e um de frutos vermelhos. Ele pediu uns ovos benedict, eu uma sanduíche vegetariana. Conversámos sobre a normalidade de tudo aquilo, sobre o último ano de pandemia, sobre as descobertas no mundo astronómico.

 

Visitámos uma feira de rua, vimos discos, livros, roupa, jóias, compotas. Sentimos o Sol mais uma vez. Comprámos água fresca num dos cafezinhos. Comemos um pastel de nata, passeámos sempre de mãos dadas.

 

Que bom voltar à normalidade ainda que só por um dia!

21
Abr21

Kit de Sobrevivência XXVIII - George Bernard Shaw

KS XXVIII George Bernard Shaw.png

Nas últimas semanas muita informação tem circulado sobre as vacinas e o plano de vacinação. Como São Tomé eu preciso de “ver para crer” por isso mergulhei na evidência científica, enquanto aguardava os inúmeros pareceres da Agência Europeia do Medicamento (EMA), da Direção Geral da Saúde (DGS) e da Organização Mundial da Saúde (WHO).

 

Como vários cientistas explicam, é difícil eleger a melhor vacina contra a covid porque atuam de formas distintas, têm tempos de eficácia diferentes e os efeitos secundários também divergem, entre outros critérios. Além disso, as normas de aprovação da vacina variam consoante os países (na União Europeia depende da EMA, nos Estados Unidos é a Food and Drug Administration), os canais de distribuição dependem do tempo de armazenamento de cada vacina e depois existem os fatores políticos.

 

Como o leitor poderá saber, a COVAX foi uma iniciativa subscrita pelos países da ONU para que todos os países pudessem receber vacinas em tempo útil e de forma mais igualitária (doses suficientes para vacinar pelo menos 20% da população em todas as nações). O problema é que alguns países fizeram acordos bilaterais com a indústria farmacêutica, ignorando o preço pré-estabelecido, a COVAX, as guidelines da WHO e o senso comum de comunidade.

 

Assim, o plano de vacinação está sujeito a uma variedade de fatores que nada têm a ver com a ciência e a evidência científica. Seria, em teoria, responsabilidade da comunicação social divulgar os factos, mas desde que vivemos na Era Digital, do instantâneo, do chocante, os editores parecem ter perdido o apetite pelo conhecimento e limitar-se a dados, teorias da conspiração, informação contra o que o que a DGS prevê e os experts convidados afirmam. Cortam descarada e repetidamente a informação divulgada nos boletins diários, nas reuniões do Infarmed e nas comunicações da DGS para caber num segmento de 20 segundos o mais chocante possível.

 

Naturalmente, muitos de nós sentimo-nos confusos porque tudo parece um enorme erro de comunicação. Como os princípios jornalísticos foram abandonados pela janela, o que hoje é verdade, amanhã será mentira e em tanta discrepância começaremos a desconfiar de tudo e de todos num caos absoluto, levando a recusas de vacinas, desconfinamento caótico, reconfinamento, apatia.

 

A solução? Divulgação da informação baseada na ciência nos meios de comunicação, verificação dos factos ainda que atrase a divulgação de uma notícia e continuação de estudos científicos para melhor compreensão da doença e vacinas.

 

Como dizia um sábio brasileiro numa viagem que fiz à Turquia: “informação não é conhecimento”, mas essa história fica para outro dia.

07
Abr21

Kit de Sobrevivência XXVI - Fernando Pessoa

KS XXVI Fernando Pessoa.png

A quarentena, apesar de todas as coisas negativas que trouxe, também permitiu ter tempo para pensar, abrandar o ritmo, ganhar alguma perspectiva sobre vida, sobre o mundo, sobre as minhas escolhas, sobre as minhas palavras (literalmente).

 

Com alguma distância vi que os padrões que tinha para mim e para o mundo eram demasiado rigorosos e inatingíveis. Por exemplo, rapidamente examinava uma pessoa pelo que fazia, pelo seu estatuto profissional, pela sua perspetiva de carreira – a começar por mim. Muitos dos nossos preconceitos são adquiridos na primeira e segunda infância. Admito que, em parte, este preconceito provenha da exposição constante ao sucesso dos meus pais (mas os Pais não são tantas vezes os heróis?). Como disse, com a devida distância, percebo que foi um padrão interiorizado e reforçado pelas normas da sociedade, pelas minhas próprias experiências ao longo do tempo, com muitos agentes em diferentes contextos: académico, laboral, pessoal.

 

Com treino, meditação e introspecção, já consigo ser simultaneamente participante ativa de uma situação e observá-la com alguma distância, reflectir sobre o que está a acontecer enquanto acontece, observar as minhas reacções e parar, voltar atrás se for preciso e pedir desculpa sem cavar um poço de culpa mais fundo que a fossa das marianas. Também já sou capaz de estar sozinha, não sozinha, mas comigo mesma, sem medo das minhas falhas ou faltas. Hoje já não me importa tanto o que os outros possam pensar do meu estranho percurso de vida porque também já não julgo os outros pelo que fazem (ou pelo menos tento).

 

Quando era adolescente as minhas amigas diziam-me: “és tão empática” ou “és boa ouvinte” mas parecia-me absurdo porque só estava a ouvir. Anos mais tarde, quando conversava com uma amiga que estava com uma laringite, dei por mim a baixar também o meu tom de voz e, de repente, “fez-se luz”: percebi o que era empatia. Talvez a razão para não ter percebido até então tenha sido porque praticava-a pouco em mim mesma. Várias vezes fui muito crítica comigo mesma, disse coisas que nunca diria a uma amiga, mesmo em circunstâncias adversas.

 

E então, há um ano, veio a quarentena e tive de me confrontar comigo mesma. No processo percebi que os meus valores mudaram, as minhas relações mudaram, o que valorizo mudou. Hoje já não vivo inteiramente pelas normas da sociedade, mas também pelo que eu quero e sonho e penso muito bem antes de aceitar ou recusar alguma coisa.

 

Claro que os dias mudam e com eles há novos desafios, mas, no geral, diria que neste ano cresci muito. E gostava de dizer à minha adolescente que afinal vale a pena.

 

Nota: Este texto foi escrito seguindo as normas pré-acordo ortográfico.

17
Mar21

Kit de Sobrevivência XXIV - Schopenhauer

KS XXIV Schopenhauer.png

Há um ano perdemos coletivamente a primeira pessoa para a covid-19. Há um ano entrávamos em confinamento.


Tenho passado muito tempo só. Não é bem só, é comigo mesma que é muito diferente. Como já escrevi em várias crónicas, esta pandemia fez-me questionar a vida que levava, os hábitos que tinha, a forma como investia o meu tempo.


Não foi logo nos primeiros dias, talvez só duas semanas depois do início do confinamento é que senti um desconforto, como uma cobra rastejante no Verão.


A princípio não liguei, procurava desenfreadamente novas formas de adormecer a dor que via em todo o lado, o medo que sentia.


Mas no início de Abril, era inegável a necessidade de parar, refletir, passar tempo comigo própria. Olhar bem no espelho, (re)conhecer-me, ver o que gostava, observar o que não gostava e decidir o que fazer.


A primeira coisa que fiz foi estabelecer uma rotina que me impedisse de cair na espiral do esquecimento, no poço das redes sociais, nas séries e filmes, nos livros e imaginação.


Depois percebi que era fundamental apanhar sol e todas as manhãs vestia um top de ginástica e ali mesmo na varanda do nosso apartamento, com vizinhos e tudo, lia durante um bocado ao sol.


O resto veio por arrasto: yoga ou alongamentos, pilates ou caminhadas, o importante era mover-me.


Comecei a escrever e assim nasceu O Espaço das Pequenas Coisas. As crónicas seguiram-se umas às outras e as ideias não paravam. Quem diria que tenho tanto para dizer?


Ultimamente a inquietação tem sondado as minhas noites como aquela cobra no Verão. Mas desta vez sinto que temos razões para ter esperança.

07
Mar21

O silêncio dos inocentes

C18C6D76-1B4F-4779-9F84-D4E725F5F051.jpeg

16 512 pessoas morreram com covid em Portugal. A maioria provavelmente morreu sem um abraço de despedida, nem sequer um olhar.


Esta semana assinalou-se um ano desde o primeiro caso conhecido de covid em Portugal.


Lembro-me do pânico que se sentia desde Fevereiro, a antecipação dos jornalistas pelo primeiro caso em Portugal. O horror que se vivia em Itália. Nunca esquecerei as imagens dos hospitais em Milão.


É difícil escrever com clareza sobre o que se passou há um ano porque há tanto luto, tanta perda, tanta tristeza. Mas hoje há também esperança: 1 milhão de pessoas vacinadas.


Por estes 16 512 inocentes que morreram sozinhos temos o dever cívico de ser responsáveis, respeitar o confinamento, unirmo-nos na esperança de um amanhã melhor e agradecer as pequenas coisas de cada dia.

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Sigam-me

Arquivo

  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2021
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2020
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub