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O espaço das pequenas coisas

O espaço das pequenas coisas

24
Jan21

A Democracia prevaleceu

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Fotografia: Getty Images

 

No seu discurso da Inauguração, Joe Biden vaticina: “a democracia prevaleceu”. Parece um contrassenso, vaticinar no pretérito perfeito, mas, há apenas duas semanas, o mesmo edifício onde decorreu a Inauguração foi invadido num acto de terrorismo doméstico. Assim, e apesar de sentir uma enorme onda de esperança lá, do outro lado do Atlântico, só posso considerar como uma profecia que a Democracia prevaleceu.

 

Decidi investigar mais a fundo os eventos de 6 de Janeiro, consultei um projeto de uma ONG que está a recolher todos os vídeos desse ataque. No link é possível ter uma visão cronológica dos eventos, desde os protestos no comício de Donald Trump em Washington DC até aos momentos chocantes dentro do Capitólio. São horas de clipes de vídeos, alguns de poucos segundos, outros de alguns minutos, mas em todos é possível observar o tom crescente da raiva gritante. Também é possível distinguir diferentes grupos de pessoas: grupos organizados com uma missão e conhecimento do edifício claros, gangues armados com o objetivo de destruir o máximo de coisas possíveis e pessoas comuns zangadas com o sistema se viram envolvidas numa ação de terrorismo doméstico.

 

Fiquei muito tempo a ver estes vídeos, a olhar para estas pessoas e a interrogar-me se nem por um momento elas terão pensado na Instituição onde estavam a entrar ou no atentado à Democracia que estavam a cometer.

 

O meu irmão contou-me que nos jogos de futebol, há um efeito de grupo, as pessoas comportam-se de forma irracional, dizem coisas que nunca diriam fora do estádio, algumas insultam o árbitro, fazem ameaças, até atiram coisas ao campo. Lembrei-me do que o meu irmão disse, talvez estas pessoas normais zangadas com o sistema tenham sido apanhadas pelo poder de grupo e assim vão ser condenadas por terrorismo doméstico.

 

Por isso volto ao discurso de Joe Biden, a Democracia não é garantida. Temos de lutar por ela todos os dias, em particular hoje. Votem em segurança. Mas votem.  

20
Jan21

Kit de Sobrevivência XVI - Martin Luther King Jr

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A Terra Prometida, finalmente

 

Hoje acordei com esperança. Sim, os números de novos casos e mortes de covid em Portugal são os mais elevados do mundo. Sim, fiquei chocada com o comportamento das pessoas na orla marítima durante o fim-de-semana. Sim, desespero pelo nosso Serviço Nacional de Saúde, pelos nossos profissionais de saúde, os trabalhadores na linha da frente, os que perderam o seu emprego.

 

Mas hoje, meu caro leitor, acordei com esperança. Porque a partir de hoje, os Estados Unidos da América, país líder mundial da democracia (ou assim ainda esperamos), tem um novo Presidente em Joseph R Biden Jr. Hoje o mundo fica um pouco melhor, um pouco mais em paz, um pouco mais tranquilo, um pouco mais seguro, um pouco mais bonito.

 

Joe Biden é um homem de fé, capaz de através da sua história inspirar milhões de pessoas. Um homem que ultrapassou tanta adversidade, desde a gaguez na infância à impensável perda do seu filho mais velho, depois da perda da primeira mulher e filha. Joe Biden não é um privilegiado pintado de cor-de-laranja, fez 300km de comboio entre Washington DC e Delaware, entre o chamamento de Senador e a família. Teve a coragem de arriscar de novo no amor e saiu a ganhar com Jill Biden, Professora dedicada às famílias militares e à Educação.

 

Hoje acordei com esperança, porque se há alguém que consegue sarar feridas, unir as diferenças, incentivar a escuta e o perdão é o clã Biden. E não estão sozinhos, têm a extraordinária Kamala Harris (ver “Kit de Sobrevivência XVIII - Kamala Harris”) empenhada na luta pela igualdade de género, na reforma do sistema judicial enviesado pelo profundo racismo, na mobilidade social pelas famílias de etnias não-caucasiana, num sistema de saúde universal.

 

Talvez Joe Biden e Kamala Harris possam mesmo encaminhar os Estados Unidos para o seu destino de Terra Prometida. Até que enfim.

29
Nov20

Dar Graças

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Esta semana falou-se sobre a possibilidade de Donald Trump atribuir um perdão presidencial a si próprio e, assim, escapar vários processos entre os quais fraude fiscal, abuso de poder, entre outros.

 

Esta semana celebra-se, nos Estados Unidos, o Dia de Ação de Graças.

 

Embora estejamos do outro lado do espectro, do lado dos colonizadores, dos que chegaram, se apoderaram das terras, escravizaram os povos, destruíram as tradições, eu diria que ainda há muito a ser feito para reparar as relações entre colonizadores e colonizados.

 

Mas, de repente, dei comigo a sentir esperança. Há muitos meses que não sentia esperança. Esta semana nasceu um primo meu, uma nova vida, mas mais do que isso, senti que posso respirar outra vez.

 

Pela primeira vez em meses, com a eleição de Joe Biden e Kamala Harris, o tom acalmou, tal como quando alguém baixa o som da televisão, a gritaria parou e finalmente podemos ouvir-nos uns aos outros com respeito, compaixão e harmonia.

 

Se o leitor me permite, estou muito grata pelos nossos profissionais de saúde, pelos trabalhadores de todos os sectores que todos os dias arriscam as suas vidas para a nossa segurança, pelas forças de segurança, pela saúde e segurança da minha família e por todas as pequenas coisas que tornam o meu dia melhor: o meu pequeno-almoço igual todos os dias, a minha almofada, os abraços do meu Príncipe, os livros que li este ano, as séries e filmes que vimos juntos, os passeios que demos e as conversas que nos aproximaram, as piadas que mais ninguém ia achar graça, o nosso pinheiro de Natal, as fotografias que tirei este ano e, sobretudo, o apoio que vocês, leitores do espaço das pequenas coisas têm manifestado desde o início. Muito obrigada.

15
Nov20

Buraco negro ou a Internet

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Imagem: Event Horizon Telescope

 

Na extensa pesquisa para a minha crónica mais recente (“Kit de Sobrevivência - Kamala Harris”), confesso que entrei num buraco negro, lendo e assistindo a horas e horas de entrevistas. Comecei no bom caminho, com a generalidade da vida da nova Vice-Presidente, até ao som de Mary J. Blige, a sua intérprete favorita.

 

Depois, achei curioso o casamento aos 49 anos e comecei a minha investigação sobre Doug Emhoff, encontrando uma entrevista entre Doug e Chasten Buttigieg, marido de Pete Buttigieg, candidato democrata à presidência que abandonou a corrida presidencial e apoiou Joe Biden.

 

Foi aqui que começou a minha espiral em direção ao buraco negro que é a internet. Sim, descobri imensas coisas fascinantes sobre Doug Emhoff, a maneira carinhosa como apoia Kamala Harris. Melhor ainda, fui completamente sugada para o carisma de Pete Buttigieg, o candidato democrata mais novo à corrida presidencial, casado com um professor inspirador, que parece realmente gostar de ensinar.

 

Em grande medida, já conhecia a história de Jill Biden de mais uma excursão ao buraco negro na altura da saída de Barack Obama da Presidência dos EUA. Desta vez, resolvi revisitar a sua biografia com maior atenção. O que mais me impressionou em Dra. B (como gosta de ser tratada pelos seus alunos) foi a sua capacidade de se reinventar. Depois de um casamento breve, quando ainda estava a passar por um divórcio complicado, conhece Joe Biden num blind date (tal como Kamala Harris e Doug Emhoff).

 

Consta que Joe Biden pediu Jill em casamento cinco vezes antes do “sim”, a explicação? Jill queria assegurar-se de que seria capaz de cuidar dos filhos de Biden como uma mãe, criar uma família, ser um porto de abrigo. E assim, a 17 de Junho de 1977 Jill e Joe casaram na Capela das Nações Unidas por um Padre Católico, apesar de Jill nunca ter declarado a sua fé. Durante o seu papel de Segunda-Dama, Jill Biden continuou a ensinar em universidades comunitárias, conciliando com a sua mais famosa iniciativa “Joining Forces”, um programa de apoio às famílias de militares norte-americanos.

 

Numa entrevista, as netas falam de um lado pouco ortodoxo de Jill: as partidas. Aparentemente, a nova Primeira-Dama gosta de uma boa gargalhada, tendo mesmo pregado uma partida ao seu staff escondendo-se na cabine do avião. Além disso, a mulher de Joe Biden corre cinco milhas cinco dias da semana (cerca de oito quilómetros).

 

Nesta minha divagação pela internet também encontrei muitas audiências da Congressista Alexandria Ocasio-Cortez. A que mais me perturbou foi a famosa audiência com Mark Zuckerberg na qual o interroga sobre a (não) verificação de factos do Facebook e o uso não consentido da imagem para reconhecimento facial. Durante o inquérito AOC, coloca vários cenários hipotéticos até que chegam à conclusão que o Facebook não assume a responsabilidade pelo que é publicado na rede social, não verifica os factos, nem retira mentiras.

 

Há um ano e meio, a 10 de Abril de 2019, foi revelada a primeira imagem de um buraco negro. Embora pareça apenas um anel desfocado, é de grande importância, porque a sua enorme capacidade de sugar tudo o que está à sua volta é indiscutível. Assim é a internet, um enorme buraco negro, que nos leva a descobrir coisas maravilhosas e terríveis.

11
Nov20

Kit de Sobrevivência VIII - Kamala Harris

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Kamala Harris, no seu discurso de vitória da Vice-Presidência dos EUA, falou sobre a importância do papel da mulher nas eleições. Desde o movimento das Sufragettes, até ao Maio de 68, aos movimentos cívicos nos EUA, as mulheres sempre tiveram um papel central na democracia, ofuscado, frequentemente, pela imponência das normas e costumes da época.

 

Tudo foi pensado com o maior rigor. Desde logo, a música com que entra no palco, “Work that” de Mary J. Blige, um hino ao amor-próprio, à auto-confiança, à esperança e à ambição. Depois, o fato branco que representa o feminismo e a igualdade de oportunidades, e que já havia sido usado pelas congressistas democratas durante o discurso do Estado de União de Trump em 2019, o que desconcertou absolutamente o então Presidente.

 

O entusiasmo que Kamala provoca é audível, o seu sorriso contagiante, o seu olhar bondoso e atento fazem-nos sentir que tudo é possível, até unir um país profundamente divido.

 

Começa o seu discurso, naturalmente, com as palavras de John Lewis “a democracia não é um estado, é um acto”. Estas palavras, tão simples e tão complexas, relembram-nos de um dos debates mais acesos que tenho com família e amigos e que podem ser lidos ao longo das minhas crónicas. A democracia não é garantida, é preciso lutar por ela todos os dias, mantendo-nos informados, votando em consciência, refletindo, conversando com aqueles que nos são próximos e, sobretudo, motivando os outros para a cidadania ativa.

 

Kamala Harris dedicou a sua vida à cidadania ativa. Filha de pai jamaicano e mãe indiana, após o divórcio dos pais, a nova Vice-Presidente cresceu com a Mãe, o Avô e a irmã no estado da Califórnia. Escolheu estudar ciência política e economia na Universidade de Howard, uma universidade historicamente predominantemente afro-americana e aderiu à sorority “Alpha Kappa Alpha” (AKA), uma organização que lutava pelos direitos cívicos. Em 1989 a ex-Senadora formou-se em Direito na Universidade da Califórnia, entrando para o equivalente à Ordem dos Advogados em 1990.

 

Na sua carreira como Procuradora de São Francisco destaca-se o caso do agente Isaac Espinoza, morto a tiro por David Hill, um afro-americano de 21 anos. A “sociedade” pedia pena de morte, mas Kamala Harris, como havia prometido na sua campanha segue outro caminho. Aliás, a então Procuradora, afirmava que existe um enorme enviesamento judicial e que o sistema judicial deve reabilitar e não condenar.

 

Assim, um ano mais tarde, nasce “Back on Track” (BOT): um programa destinado à reabilitação social de jovens condenados pela primeira vez por um crime relacionado a posse, consumo ou venda de drogas. Ao abrigo do programa, os jovens eram condenados mas cumpriam a sua pena com vista à sua reintegração na sociedade.

 

Alguns anos mais tarde, Kamala Harris, tornar-se-ia Procuradora do Estado da Califórnia, cargo no qual foi rigorosa, mas justa. Esteve envolvida em muitos casos criminais, da reforma penal e crise habitacional, às grandes empresas de gás, petróleo e banca.

 

Em 2016, com a reforma da Senadora Barbara Boxer, abre-se o caminho para “sangue novo” e Kamala Harris, ganha o seu lugar no Senado por uma larga margem. Como Senadora, foi defensora da despenalização do aborto, de uma política de imigração inclusiva e, fundamentalmente, do Green New Deal: um pacote de medidas de criação de emprego sustentável para o ambiente e um plano de saúde e educação gratuito para toda a população, assente na taxação das indústrias do armamento, farmacêutica, tecnológica.

 

Em 2020 decide candidatar-se a Presidente dos EUA. Vista como demasiado progressista por uns, demasiado liberal por outros, acaba por desistir da corrida presidencial e, em Agosto de 2020, é anunciada como candidata a Vice-Presidente.

 

Numa conversa com Barack Obama, Kamala Harris, revela o seu segredo para começar bem o dia: treinar. Conta que todos os dias treina, que é a sua forma de aliviar a tensão e que mantém uma dieta maioritariamente sul-indiana (vegetariana). Mas talvez o aspeto mais enternecedor desta mulher de 55 anos seja a sua relação com Douglas Emhoff. Em 2014, aos 49 anos, depois de se conhecerem num blind date, e de um breve namoro e noivado, decidem casar numa cerimónia presidida pela irmã de Harris. Emhoff, um advogado da indústria do entretenimento bem-sucedido, com dois filhos já crescidos de uma relação anterior, parece ser o pilar de Kamala Harris.

 

Kamala Harris será a primeira a entrar para a Vice-Presidência, mas deixará a porta aberta para todas as mulheres que tenham a coragem acreditar em si mesmas.

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