Kit de Sobrevivência IV - Antoine de Saint-Exupéry
“Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia!
- Disse a raposa.
- Olá, bom dia!
Respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - Perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo – pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo – disse a raposa. - Não estou presa...
- Ah! Então, desculpa! - Disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
(…)
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços – disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo... (…) Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor...Prende-me a ti! - Acabou finalmente por dizer.”
Quando andava na escola, a palavra francesa “apprivoiser” era traduzida como “estar preso” e não como a atual e politicamente correta tradução “ser cativado”. Amar é, simbolicamente, “estar preso”, ser responsável por alguém. Quando uma Mãe tem um filho, fica presa, ligada, não é cativa nem o cativa, simplesmente estão vinculados.
Por isso gosto tanto desta tradução e deste episódio, em particular, d’O Principezinho.